terça-feira, 30 de outubro de 2012

Animação sem segredos

O desenho é uma paixão na vida do pernambucano Igor Vitor Souza Feitosa, de 16 anos, que desde os sete, reproduz com o lápis tudo o que enxerga pela frente. Na escola, sua habilidade é reconhecida por mestres e colegas. “Quando tem algum desenho para mostrar para a turma e a professora não sabe fazer, eu faço o desenho no quadro”, conta com orgulho.


Neste ano, o adolescente descobriu um motivo a mais para investir em seu talento. Seu município, Pesqueira (PE), sediou em agosto uma oficina do Cine Anima – projeto itinerante que ensina os segredos do cinema de animação a desenhistas e artesãos do interior do Norte e Nordeste.

Junto com um amigo, Feitosa participou da oficina, onde aprendeu novas técnicas de desenho e recebeu dicas para começar a produzir seus filmes de animação. Empolgado, ele planeja montar seu próprio estúdio em casa. “Peguei todas as informações sobre materiais; tenho anotada a medida da mesa de luz, do lápis que se usa e dos programas porque eu pretendo continuar fazendo animação”, diz.

Itinerante

O Cine Anima é uma das ações do Ponto de Cultura Cinema de Animação, de Gravatá (PE), dedicado à produção, divulgação e ensino desse tipo de filme.

A ideia do Cine Anima e de suas oficinas itinerantes, porém, é mais antiga do que o próprio Ponto de Cultura, reconhecido em 2005 pelo Ministério da Cultura (Minc). Tudo começou na década de 1980, por iniciativa de Lula Gonzaga, coordenador do Ponto e um dos precursores do cinema de animação no Brasil. Depois de voltar de uma especialização em cinema de animação na Croácia, ele decidiu dividir seu conhecimento com jovens que não poderiam pagar por um curso de animação em escolas ou faculdades. Resolveu, em 1985, pegar a estrada e ministrar as oficinas que passam de cidade em cidade e que, até hoje, já receberam cerca de 1,2 mil pessoas.

Em geral, as atividades circulam por comunidades indígenas, quilombolas, casas paroquiais, assentamentos e pontos de cultura, por meio de editais ou de convites feitos por instituições públicas.

É o próprio Gonzaga, até hoje, quem dá as oficinas, sempre acompanhado por outro integrante do Ponto de Cultura. Em todos os lugares onde o projeto passa, conta Gonzaga, há sempre um grande número de interessados. Com a carência de locais para estudar animação e os altos preços dos cursos, as oficinas se tornam alternativa de aprendizado. “A receptividade é boa em qualquer lugar onde a gente chega porque é uma oportunidade muito rara para aqueles alunos”, diz.

O sucesso do projeto tem sido tão grande que, além do Nordeste, o Cine Anima já visitou quase todos os estados e participou de festivais em Portugal.

Simplicidade

Para cumprir sua tarefa, o Cine Anima carrega um estúdio completo de animação, com todos os equipamentos e materiais necessários para produzir esse tipo de filme. São 20 mesas de luz, aparelhos de ilusão de ótica para criação dos movimentos, mesa pedagógica com exposição de todos os objetos utilizados durante a produção, cartazes de filmes e diversos vídeos de animação.

A simplicidade é a principal marca do projeto. Portanto, tudo é o mais modesto e artesanal possível. Um dos aparelhos de ilusão de ótica, por exemplo, é uma réplica do primeiro tipo utilizado para animação e foi feito pela própria equipe do Ponto de Cultura. “Esse é um aspecto fundamental da oficina. Queremos mostrar que o aluno pode conseguir os equipamentos necessários e fazer animação de onde estiver”, explica Gonzaga. Uma mesa de luz, um aparelho de scanner para digitalizar as imagens e um computador com editores de imagem, vídeo e áudio, que podem ser baixados da internet, segundo os oficineiros, são suficientes para produzir as animações.

A chance de fazer suas próprias animações entusiasma os alunos. Jean Tácio Tôrres de Lira, 14 anos, participou da oficina que passou por Pesqueira (PE) em agosto. “Meu hobby é desenhar, por isso fiquei animado para fazer a oficina”, explica o estudante, que conta ter aprendido muito nas aulas. No entanto, ele confessa: fazer animação é mais trabalhoso do que pensava. “O mais difícil é ter que fazer vários desenhos repetidos com algumas diferenças mínimas”, diz o jovem, que também faz planos para montar seu estúdio caseiro.

Crítica

Além de ensinar novas técnicas de desenho e de como dar movimento às imagens, Gonzaga e sua equipe exibem filmes de animação, que mostram trabalhos produzidos em outras oficinas e no próprio Ponto de Cultura. Além disso, também há espaço para exibir filmes nacionais de animação, principalmente aqueles feitos no Nordeste, que concentra forte produção. Segundo o coordenador do Ponto, só nessa região há cerca de 50 filmes produzidos até hoje.

O objetivo, segundo ele, é incitar um debate a respeito do mercado do cinema no Brasil, especialmente sobre a questão da distribuição. “Em geral o cinema brasileiro só está nos shopping centers. A gente só vê filme brasileiro na TV Brasil e no Canal Brasil, que é canal pago. Na TV aberta só passa quando é filme da Globo”, critica.

Mais grave, para ele, é o caso da animação, que tem o público infantil como alvo. “A pessoa que só assiste a desenho animado estadunidense naturalmente vai ser uma pessoa muito mais fácil de se aliar ao sistema de dominação do filme estrangeiro quando crescer”, diz o cineasta, que vai além: “Deveria haver situações muito definidas de exibição dos filmes de animação na televisão para reverter esse processo que temos hoje, de filmes animados norte-americanos e japoneses, em que a formação da pessoa fica inteiramente deformada”, completa.

Cinema na Praça

Além do Cine Anima, o Ponto de Cultura Cinema de Animação realiza cursos anuais de animação e produção de filmes em Gravatá. Atualmente, o Ponto trabalha em um longa metragem, Paranambuco, sobre o início da história de Pernambuco.

O Ponto também promove mostras de filmes nacionais, como o Cine Clube, em sua própria sede, e o Cinema na Praça, que já exibiu películas em espaços públicos para mais de 96 mil pessoas, com média de 400 espectadores por sessão.

Parceiro do Ponto de Cultura, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) já recebeu, até hoje, várias exibições do Cinema na Praça em assentamentos do sertão pernambucano. “É bonito porque colocam um telão no meio do assentamento”, relembra a integrante do Coletivo de Comunicação e Cultura do MST de Pernambuco Ana Emília Borba. Segundo ela, o projeto representou a primeira ida ao cinema de muitos assentados. “Existe a dificuldade de se ter acesso ao cinema e isso é ainda mais forte na zona rural”, completa.

Segundo dados da Agência Nacional do Cinema (Ancine), dos 5.565 municípios brasileiros, apenas 392 – o equivalente a 7% - possuem salas de cinema em funcionamento. Deste total, cerca de 47% estão localizados nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro.

www.cineanimaitinerante.blogspot.com.br
www.pontocinemadeanimacao.blogspot.com.br

Fonte: Brasil de Fato

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