domingo, 31 de março de 2013

Na Tunísia, Forum Social renova aversão a enquadramentos em formatos e temas


Por: Flávio Aguiar, especial para a RBA
Publicado em 30/03/2013, 13:25
Última atualização às 13:34

Na Tunísia, Forum Social renova aversão a enquadramentos em formatos e temas
Movimento de mulheres no FSM temático de Porto Alegre, em 2012 (Foto: Valter Campanato/ABr) 
 
Túnis – Desde sua primeira edição, em 2001, em Porto Alegre, o Fórum Social Mundial apresentou uma tensão interna axial. Claro que havia outras, mas esta era constitutiva, conceitual. Refiro-me à tensão entre os que viam o fórum como um espaço de encontro e debate, sem eixos nem decisões de ação, e os que viam-no, ao contrário, como um impulsionador de ações concretas. Havia múltiplos matizes entre ambos os extremos, mas aquela tensão dominou a vida dos fóruns – e ainda a domina hoje – embora, aparentemente, um dos lados tenha estabelecido sua hegemonia sobre seu espaço e seu processo.
A primeira posição era defendida, sobretudo, pelas inúmeras ONGs e suas supraorganizações nacionais e internacionais. A segunda, por sindicalistas, militantes de partidos políticos (embora estes não tivessem representação oficial nas deliberações) ou intelectuais ligados à militância histórica anti-imperialista.
Ambas as balizas deram contribuições históricas ao Fórum Social. Não se pode esquecer que grande parte da sua vitalidade veio da sua abertura para um leque de atividades e posições que não era limitado por nenhuma disposição de se obter uma “declaração final” obtida através de processos que, por mais abertos que sejam, permanecerão herdeiros, pelo menos por muito tempo, das velhas concepções de “centralismo democrático”. Por outro lado, também não se pode esquecer que a mesma vitalidade se deveu também a consignas matriciais como a da grande manifestação em favor da paz e de uma cultura da paz (às vésperas da invasão do Iraque), na terceira edição, ainda em Porto Alegre.
Mas a tensão continuou, e, com o passar do tempo, o predomínio da concepção do “espaço aberto” tornou-se hegemônica nos conselhos decisórios dos fóruns. A segunda concepção, axial (chamemo-la assim), passou a segundo plano.
Isso provocou um estremecimento nas relações internas, e representantes desta última corrente, ressentidos, passaram a ver, no Fórum Social, um espaço esvaziado e desvitalizado, pelo menos parcialmente, de sua razão de ser. Este olhar se manifestou em relação à décima segunda edição do fórum, realizada na Tunísia, de 26 a 31 de março.
Para quem acompanhou o Fórum Social, de fato ele pareceu mais dispersivo e fragmentado do que nunca. As revoluções, conquistas e impasses no Maghreb, que, em princípio, justificariam a escolha da Tunísia como espaço, não “deram a tinta” do fórum. Estiveram presentes, sim, mas de modo discreto em relação ao esperado. A causa palestina foi um dos eixos da edição, e motivo de sua manifestação de encerramento. Na sua realização no espaço da jovem Universidade de El-Manar, por vezes deu mesmo a impressão de um destes encontros acadêmicos, em que muitas são as mesas e nichos, mas a catedral em construção não dá o ar de seu travejamento. Aparentemente, o “espaço aberto”dominara de fato o fórum, e o ressentimento dos “axiais” tinha sua razão de ser.
Mas... como costuma acontecer, há mais razões entre o céu e a terra do que as nossas vãs filosofias reconhecem.
Em primeiro lugar, deve-se reconhecer que a relativamente discreta presença dos movimentos do Mahgreb e do Oriente Médio se deveu às suas condições objetivas. São movimentos que ainda engatinham entre conquistas importantes, mas limitadas por contradições e impasses gigantescos, e numa região de poucos contatos sinérgicos entre os países envolvidos. Muitos destes contatos se devem a uma cultura islâmica comum (apoiada por uma presença quase onipresente da língua árabe), mas colocada em posição subalterna por ditaduras, monarquias ou regimes presidenciais fechados que mais isolavam os países uns dos outros do que aproximavam os seus povos.
Em segundo lugar, o enfraquecimento das posições “axiais” no Fórum Social coincidiu com um período de seu enfraquecimento em quase todo o mundo, com exceção da América Latina, onde sua robustez, apoiada por e apoiadora de governos progressistas, sempre pareceu uma ameaça para os advogados do “espaço aberto”. Veja-se, como exemplo, o que ocorreu no Fórum de Belém, em 2009, quando o evento mais importante de sua realização foi o encontro paralelo dos presidentes progressistas (Lula entre eles) que galvanizou e polarizou as atenções. Na Europa, sobretudo, a crise financeira, combinada com a hegemonia neoliberal em todas as instituições da União Européia e da Zona do Euro combaliu até mesmo a solidariedade internacional entre os trabalhadores, bandeira que só começou a ser resgatada mais recentemente. De resto, o enfrentamento com aquela hegemonia foi muito mais marcado, como nos Estados Unidos, por movimentos do tipo “Occupy”, “Indignados” que, não raro, procuravam se afastar da política e das mobilizações tradicionais.
Mas... há outro mas. O “espaço aberto” do Fórum de Túnis foi marcado por duas tendências axiais, apesar de toda a ênfase colocada no “espaço aberto”. Não me refiro apenas a bandeiras do tipo “Dignidade”, motto do Fórum e nome afinal dado ao movimento tunisiano que derrubou o ditador Ben Ali, ou a da causa palestina. Refiro-me muito mais a movimentos axiais que apontam para desdobramentos futuros em termos de formação de redes de ação concreta.
O primeiro destes eixos, mais tênue, foi a extraordinária presença de jovens. Sua presença se devia a todos os matizes possíveis: estudantes que temiam a repressão de uma “Sharia” que viesse a substituir com novas imposições a ditadura anterior, desempregados, curiosos que estavam tendo seu “batismo inaugural” em termos de militância. Isso deu uma vitalidade enorme ao lado “laboral” do Fórum Social, em conjunto com uma presença significativa dos sindicatos e associações de classe da Tunísia.
O segundo destes eixos, mais vigoroso, foi dado pela presença das mulheres e de seus movimentos. Foi significativo que, num país visto como de tradição machista, a abertura do Fórum Social tivesse apenas mulheres como palestrantes (além de um show notável capitaneado por Gilberto Gil). As mulheres e suas articulações mostraram quer podem ser os vetores das novas redes internacionais entre os movimentos democratizantes na região, e da tessitura de amplas relações com o mundo inteiro.
Prova de que o Fórum Social é refratário a todas as gaiolas, e que muitas pontes ainda se construirão sobre suas águas.

À Carta Maior, Wallerstein diz que ‘nada’ se compara ao Fórum Social Mundial

Para o sociólogo norte-americano Immanuel Wallerstein (à direita na foto), presente no Fórum Social Mundial da Tunísia, não há nada que esteja acontecendo que se compare ao encontro, seja em termos de visões, de inclusão ou de esforços para transformar o mundo. “Não é perfeito, é claro, mas é um sucesso”, afirmou a Maurício Hashizume, nosso enviado a Túnis.

Túnis – Referência internacional na abordagem de questões geopolíticas e econômicas que preocupam a humanidade, o sociólogo norte-americano Immanuel Wallerstein foi um dos “pesos-pesados” que circularam pelo campus da Universidade El Manar entre os participantes do Fórum Social Mundial (FSM) 2013.

Entre uma discussão e outra – algumas delas, aliás, em que o renomado formulador da teoria do “sistema-mundo” esteve apenas como ouvinte para captar a manifestação de movimentos e organizações sociais –, Carta Maior conseguiu uma entrevista exclusiva com Wallerstein.

Para o sociólogo, não há nada que esteja acontecendo que se compare ao FSM, seja em termos de visões, de inclusão ou de esforços para transformar o mundo. “Não é perfeito, é claro, mas é um sucesso”. Leia a entrevista:

Carta MaiorO que o senhor pensa que sejam as principais questões que estão sendo discutidas neste Fórum Social Mundial?
Immanuel Wallerstein – Estamos aqui discutindo o mundo! Estamos discutindo os problemas do mundo e como podemos transformá-lo, pois "outro mundo é possível". Acreditamos nisso. E cada vez mais gente acredita nisso. Desde a primeira vez que fui ao Fórum Social Mundial em Porto Alegre, em 2002, todos os encontros seguintes têm sido melhores: melhores porque envolvem mais gente, por conta da estruturas das reuniões. E as pessoas continuam querendo comparecer. Poderiam querer vir ou não. Ou até se juntar a outra coisa qualquer. Mas no presente momento, não existe alternativa ao Fórum Social Mundial. Não há nada que esteja acontecendo que se compare a isso. Seja em termos de visões, de inclusão ou de esforços para transformar o mundo. Não é perfeito, é claro, mas é um sucesso.

CMMas ainda assim, como se vê em uma quantidade enorme de painéis aqui apresentados, as forcas ligadas ao capital seguem vencendo os embates contra os mais diferentes povos.
IW – Eles não vão desistir fácil. Afinal, têm os seus interesses. Eles estão defendendo a si mesmos e essa e uma coisa que eles sempre tiveram que fazer. E eles podem ganhar. Eu não sou daqueles que dizem que o futuro está garantido. Sempre disse que as chances são de 50%. Podemos ganhar ou perder. E se perdemos será pior, é claro. Eles defendem os interesses deles e não há nada de anormal nisso.

CME o que podemos aprender com a situação aqui da Tunísia?
IW – Em Tunis, um dos principais problemas é a questão da "Irmandade Muçulmana", do governo e até da sua possível ligação com os salafistas. Há uma grande divisão de opinião aqui. Alguns dizem que o Ennahda é o demônio, que é apenas um fascismo que esconde o seu rosto. Outros dizem que é uma realidade das presenças sociais. É um debate não resolvido. E este Fórum é um dos lugares em que este debate está se dando.

Leia também:

Juventude toma conta da marcha de abertura do FSM 2013 e Mulheres dão a nota e as tintas no Fórum Social Mundial, na Tunísi. AQUI



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