quinta-feira, 5 de abril de 2018

E agora Brasil? Premissas importantes para o debate politico nos próximos anos, após a decisão do dia 04/04 do STF.

1 - Ainda vai levar um tempo,  para termos o mesmo ciclo virtuoso que fez com que Lula fosse eleito e governasse com a habilidade e sensibilidade como fez, sob o ponto de vista dos interesses da maioria pobre, preta e mestiça, e em favor da soberania nacional. Isso porque Lula além das qualidades que tem, e além da base social que construiu e catapultou a sua liderança até a presidência da república, ainda pode contar com uma cultura politica propensa a processos de negociação e concessões, mesmo que limitadas e submetidas a processos não muito éticos algumas vezes, e que continua  com mais intensidade depois do golpe. Mas para Moro e outros amigos do Aécio, não vem ao caso.

2 – A esquerda precisa rever uma série de conceitos, sem precisar abrir mão dos postulados fundamentais do pensamento critico, incluindo questões ligadas ao mundo do trabalho e das novas tecnologias. Assim também como precisa rever algumas práticas ou modelos de organização, de formação e de mobilização.

O modelo de organização inspirado no modelo hierárquico, centralizado, vertical, excessivamente burocrático e representativo está sendo posto em cheque. As novas tecnologias, para o bem e para o mal impactam nisso.

A fadiga desse modus operandi de organização também é gritante. Isso é perceptível com a diminuição de quantidade e da intensidade de participação nas organizações civis , do absenteísmo nas eleições e pela forma como amplos setores da juventude se organizam. As ocupações nas escolas e os saraus, nos fornecem boas pistas acerca disso.

Um exemplo da falência de um certo modelo de participação social, são as conferências de politicas públicas, repetindo um padrão semelhante ao modelo da representação parlamentar, as quais passarem a repetir alguns vícios, como a presença de “eternos” representantes setoriais e/ou comunitários, os quais em muitos casos, perderam conexões sinceras e verdadeiras com suas bases, inclusive porque muitas vezes passaram a ocupar o papel de assessores parlamentares ou cargos comissionados no executivo. 

Quem não se tornou funcionário público, em alguns casos, buscou frequentemente ser eleito como delegado nas conferências por causa das viagens frequentes para outras cidades, estadia em hotéis e deslocamento frequentes por meio de aviões.

Nada contra isso, se fosse acompanhado de um compromisso fiel e verdadeiro com as causas e pessoas representadas, e se houvesse retorno de conhecimentos para a base e se esta fosse mais consultada para o encaminhamento das demandas , além de um rodizio na escolha de delegados. Se estes vícios foram bem menores no inicio, com o tempo foi se acentuando.

3 – Há que se considerar a força de expressão que passaram ter as outras culturas e as outras formas de conhecimento, fazendo necessário ir além do eurocentrismo e do conhecimento cientifico ocidental, tradicionalmente aceito e transmitido pelas universidades. Me refiro aqui, as culturas do povos originários, as culturas identitárias, as culturas periféricas, as culturas juvenis e etc..

4 – Os parlamentares e executivos progressistas precisam empoderar os coletivos e organizações que atuam na periferia e nos grotões, isso tanto no campo do conhecimento da politica e da gestão pública, como no plano da sustentabilidade econômica. Da mesma forma, como fazem os “liberais” e ou conservadores com a empresa privada e com as organizações civis tradicionalmente ligadas a estes. Em especial, por meios de ações no campo da legislação, do crédito e da assistência técnica.

Neste caso, o problema da esquerda não é tão somente perder eleições, o problema é ganhar eleições e não colaborar suficientemente para a organização e empoderamento das populações mais pobres.

Ao não fazer isso, deixou/deixa de fortalecer pessoas ou organizações, que poderiam estar colaborando bem mais para a resistência e enfrentamento do retrocesso politico e social, o qual está vindo com tudo contra a população pobre, preta e mestiça, desde o afastamento da presidente Dilma no ano de 2016.

E lembrando, muitos destes erros ou vícios, continuam a se repetir país afora, em muitas administrações públicas, com parlamentares e em organizações civis que se dizem de “esquerda”.

5 – E para concluir, mesmo que necessário, doravante o caminho eleitoral e a governabilidade, serão pavimentados com muito mais armadilhas . O que fica claro é que o ciclo da governabilidade sem tensionamento se encerrou , tensionamento com povo nas ruas, para quem quiser fazer um minimo de inclusão social e de democratização do estado e da economia. Para quem quiser ser uma espécie de Macron (atual presidente francês) ou como o Partido Verde ou Rede Sustentabilidade é tranquilo. Mas assim, o projeto de avanços terá que ficar sempre limitado, apequenado.

E como o “tensionamento” com população organizada, consciente e mobilizada não se faz com dois cliques, recomendamos recomeçar a leitura e acrescentar mais elementos que possam ajudar a mais gente a não parar, a seguir a esquerda e em frente."
Zezito de Oliveira


P.S.: - Atendendo a solicitações. Um site onde as questões abordadas acima podem ser mais aprofundadas.
http://outraspalavras.net/


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O dia seguinte. Algumas questões:
1. O julgamento foi político, com evidente conotação de classe. Insere-se no contexto do processo aberto quando as elites decidiram dar o golpe de Estado. Portanto, Lula será um preso político e assim deve ser tratado pelos democratas.
2. Do ponto de vista da batalha político-eleitoral, as forças democráticas não deveriam se reunir ao redor da candidatura que tem maiores condições de derrotar os golpistas?
3. Do ponto de vista da luta de classes no médio-longo prazo, quais as lições da derrota (das derrotas sucessivas desde 2015)? Como reorganizar a esquerda, como reconectar com os anseios do povo, como incentivar e participar de novas dinâmicas de organização?
4. Do ponto de vista da utopia, como repor o tema de uma sociedade justa e baseada na partilha que supere a experiência do socialismo de Estado? O ecossocialismo pode re-abrir um novo horizonte de apontar um norte realista à utopia?
Questões.
Mauro Lopes

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