segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Artigo - Corrupção: Endemia política por Frei Betto

Escritor e assessor de movimentos sociais


A política brasileira sempre se alimentou do dinheiro da corrupção. Não
todos os políticos. Muitos são íntegros, têm vergonha na cara e lisura
no bolso. Porém, as campanhas são caras, o candidato não dispõe de
recursos ou evita reduzir sua poupança, e os interesses privados no
investimento público são vorazes.

Arma-se, assim, a maracutaia. O candidato promete, por baixo dos panos,
facilitar negócios privados junto à administração pública. Como por
encanto, aparecem os recursos de campanha.

Eleito, aprova concorrências sem licitações, nomeia indicados pelo lobby
da iniciativa privada, dá sinal verde a projetos superfaturados e
embolsa o seu quinhão, ou melhor, o milhão.

Para uma empresa que se propõe a fazer uma obra no valor de R$ 30
milhões – e na qual, de fato, não gastará mais de 20, sobretudo em
tempos de terceirização – é excelente negócio embolsar 10 e ainda
repassar 3 ou 4 ao político que facilitou a negociata.

Conhecemos todos a qualidade dos serviços públicos. Basta recorrer ao
SUS ou confiar os filhos à escola pública. (Todo político deveria ser
obrigado, por lei, a tratar-se pelo SUS e matricular, como propõe o
senador Cristovam Buarque, os filhos em escolas públicas). Vejam ruas e
estradas: o asfalto cede com chuva um pouco mais intensa, os buracos
exibem enormes bocas, os reparos são frequentes. Obras intermináveis...

Isso me lembra o conselho de um preso comum, durante o regime militar, a
meu confrade Fernando de Brito, preso político: "Padre, ao sair da
cadeia trate de ficar rico. Comece a construir uma igreja. Promova
quermesses, bingos, sorteios. Arrecade muito dinheiro dos fiéis. Mas não
seja bobo de terminar a obra. Não termine nunca. Assim o senhor poderá
comprar fazendas e viver numa boa.

Com o perdão da rima, a ideia que se tem é que o dinheiro público não é
de ninguém. É de quem meter a mão primeiro. E como são raros os
governantes que, como a presidente Dilma, vão atrás dos ladrões, a turma
do Ali Babá se farta.

Meu pai contava a história de um político mineiro que enriqueceu à base
de propinas. Como tinha apenas dois filhos, confiou boa parcela de seus
recursos (ou melhor, nossos) à conta de um genro, meio pobretão. Um dia,
o beneficiário decidiu se separar da mulher. O ex-sogro foi atrás: "Cadê
meu dinheiro?  O ex-genro fez aquela cara de indignado: "Que dinheiro?
Prova que há dinheiro seu comigo.  Ladrão que rouba ladrão... Hoje, o
ex-genro mora com a nova mulher num condomínio de alto luxo.

Sou cético quanto à ética dos políticos ou de qualquer outro grupo
social, incluídos frades e padres. Acredito, sim, na ética da política,
e não na política. Ou seja, criar instituições e mecanismos que coíbam
quem se sente tentado a corromper ou ser corrompido;  A carne é fraca,
diz o Evangelho. Mas as instituições devem ser suficientemente fortes,
as investigações rigorosas e as punições severas. A impunidade faz o
bandido. E, no caso de políticos, ela se soma à imunidade. Haja
ladroeira!

Daí a urgência da reforma política   tema que anda esquecido   e de
profunda reforma do nosso sistema judiciário. Adianta a Polícia Federal
prender, se, no dia seguinte, todos voltam à rua ansiosos por destruir
provas? E ainda se gasta saliva quanto ao uso de algemas, olvidando os
milhões surrupiados... e jamais devolvidos aos cofres públicos.

Ainda que o suspeito fique em liberdade, por que a Justiça não lhe
congela os bens e o impede de movimentar contas bancárias? A parte mais
sensível do corpo humano é o bolso. Os corruptos sabem muito bem o
quanto ele pode ser agraciado ou prejudicado.

As escolas deveriam levar casos de corrupção às salas de aula. Incutir
nos alunos a suprema vergonha de fazer uso privado dos bens coletivos.
Já que o conceito de pecado deixou de pautar a moral social, urge
cultivar a ética como normatizadora do comportamento. Desenvolver em
crianças e jovens a autoestima de ser honesto e de preservar o
patrimônio público.

Fonte: Agência Adital

Frei Betto é escritor, autor do romance "Minas do Ouro", que a editora
Rocco faz chegar às livrarias esta semana. http://www.freibetto.org -
twitter:@freibetto.
 Assine todos os artigos do escritor e os receberá diretamente
em seu e-mail. Contato   MHPAL   Agência Literária
(mhpal@terra.com.br


Leia também:

http://acaoculturalse.blogspot.com/2011/08/ha-financiamento-privado-de-campanha.html

+ Frei Betto
Fonte: site de Frei Betto

Conversa sobre a ciência e a fé




Assim que o homem começou a reflexão sobre a sua existência, uma questão milenar e sem resposta definitiva surgiu - quem tem a resposta sobre o início da vida e o seu sentido, a fé ou a ciência? Dois pensadores brasileiros se debruçam sobre essa pergunta e suas questões decorrentes num diálogo que procura provar ao leitor que a razão está em manter a razão.


Em entrevista concedida ao Cultura News, Frei Betto fala sobre seu livro, como podemos aplicar o conteúdo da obra em nosso cotidiano, a delicada relação entre ciência e fé e muito mais. Leia a conversa completa abaixo:

Fale sobre o livro Conversa sobre a ciência e a fé
.
Foi uma honra elaborar este livro em parceria com Marcelo Gleiser e Waldemar Falcão. Gleiser é um renomado físico teórico, professor em universidade dos EUA, autor de obras importantes. Falcão, amigo de longa data, é um espiritualista dedicado ao diálogo interreligioso, também autor de livros que retratam experiências espirituais hetedoroxas aos olhos da tradição cristã. Ficamos os três trancados três dias num hotel do Rio e creio que de nosso diálogo resultou um texto interessante para todos aqueles que se perguntam sobre a relação da fé com os dados da ciência, em que medida esses dois campos do saber e da experiência humanos coincidem, discordam, antagonizam-se e/ou se complementam. Em A obra do artista: uma visão holística do universo eu já havia dado meus primeiros passos na direção do diálogo entre espiritualidade e astrofísica e física quântica.


Quais os assuntos abordados no livro?
Abordamos desde o Big Bang, visto à luz da fé e das pesquisas científicas, até os fundamentalismos religiosos e ateístas, que andam em moda. Falamos de mística, experiências esotéricas, pesquisas sobre cosmologia etc. Cada um de nós descreveu sua trajetória de vida, formação, influências importantes. Estou convencido de que o livro revela que o diálogo entre a fé e a ciência é possível quando há tolerância e compreensão de que são duas áreas distintas, porém não excludentes.




Como surgiu a parceria com Marcelo Gleiser e Waldemar Falcão e a ideia para escrever o livro?
Surgiu de proposta da editora. O primeiro livro desta coleção foi Conversa sobre o tempo, um diálogo entre Luiz Fernando Veríssimo e Zuenir Ventura, mediado por Arthur Dapieve.

Quais as grandes diferenças e semelhanças entre a ciência e a fé?
As pessoas que têm fé dependem de avanços científicos e tecnológicos. E muitas, que conciliam os dois campos em suas consciências, sabem que não são saberes incompatíveis, pois não buscam dados científicos nos textos religiosos nem revelações teológicas nas constatações da ciência. A fé é uma luz que permite aos nossos olhos entender a dimensão transcendente de tudo isso que a ciência apura. Esta avança a partir de dados empíricos, experimentais, comprovados, enquanto a fé é um dom da inteligência, uma adesão a verdades reveladas. A fé não nos diz como o Universo surgiu, diz apenas que por trás do Big Bang há um Deus criador. A ciência conhece o fenômeno da morte mas não se atreve a afirmar o que há após o fim da vida.

Como podemos aplicar no cotidiano o conteúdo da obra Conversa sobre a ciência e a fé?
Creio que um dos méritos do livro é ajudar aqueles que têm dificuldade de conciliar fé e ciência, dados na Bíblia e comprovações científicas que não coincidem com ideias supostamente científicas propaladas pela tradição religiosa, como é o caso do conceito criacionista, que nega os avanços científicos de Darwin. É uma obra que quebra tabus, desmistifica preconceitos, mostra que há mais afinidades que diversidades entre fé e ciência.
Copyright © 2011 Frei Betto. Todos os direitos reservados.

Nenhum comentário: