terça-feira, 8 de julho de 2014

Carta de Natal - TEIA NACIONAL DA DIVERSIDADE

Natal, 22 de Maio de 2014.

O IV Fórum Nacional dos Pontos de Cultura (IV FNPC), realizado no período de 19 a 20 de Maio de 2014, como parte da programação da TEIA da Diversidade 2014, foi um marco no processo de mobilização, articulação e, sobretudo, de afirmação cultural e política dos Pontos de Cultura de todo o País.
O I Fórum Nacional dos Pontos de Cultura aconteceu durante a segunda edição da TEIA, em 2007, na cidade de Belo Horizonte. No ano seguinte realizamos o II Fórum, em Brasília, e no dia 31 de março de 2010 o III Fórum, em Fortaleza. Portanto, só quatro anos depois é que, finalmente, conseguimos realizar este tão aguardado e necessário reencontro.
Nesse período, o Movimento Nacional dos Pontos de Cultura e a Comissão Nacional dos Pontos de Cultura (CNPdC) não ficaram parados. A abrupta interrupção do Programa Cultura Viva e a alarmante incompreensão, por parte do governo Dilma Roussef, acerca da importância social, cultural, política e econômica dos Pontos de Cultura, contradizem a ideia original do Programa que preconiza: não somos nós que precisamos do Estado, mas o Estado que precisa de todos e todas nós. Mesmo assim, não ficamos parados.
Realizamos a Marcha Nacional dos Pontos de Cultura em 2011, ocupando a Esplanada dos Ministérios, o Ministério da Cultura e o Congresso Nacional com ponteiras e ponteiros de 16 estados brasileiros e do Distrito Federal; participamos, ativamente, da Cúpula dos Povos em 2012; integramos o 1º Congresso Latino americano Cultura Viva Comunitária em 2013. Nossa ação culminou em novembro de 2013, com a participação maciça de ponteiros e ponteiras de todo o Brasil e com a aprovação, por aclamação, de quatro entre as 20 prioridades da III Conferência Nacional de Cultura, incluindo a Lei Cultura Viva. Hoje integramos conselhos municipais, estaduais regionais e nacionais de cultura e formamos o maior colegiado de cultura que já existiu.
Para chegarmos até aqui, ao longo de 2013 e nos primeiros meses de 2014, foram realizados 27 fóruns estaduais, mobilizando cerca de 2000 participantes nas etapas preparatórias e elegendo 715 delegados para o presente Fórum Nacional. Isso evidencia a vivacidade dessa Rede que experimenta a confluência entre memória e invenção, por meio da renovação trazida pelos novos Pontos e dos diálogos com aqueles que vivenciam essa jornada desde o início.
Foram, enfim, inúmeras mobilizações, reuniões, encontros, audiências, diálogos e celebrações que, somadas à nossa atuação cotidiana em nossos Pontos e comunidades, são provas permanentes de que o processo de encantamento e engajamento, fundamentado na autonomia, no protagonismo e no empoderamento – desencadeado há 10 anos, depois de séculos de opressão, violência e descaso – não tem retorno: avançar é o nosso inevitável e inadiável destino.
Os Pontos de Cultura representam a pluralidade, a riqueza e a diversidade do nosso povo e de nossa nação. Formamos um corpo robusto e íntegro, composto pelas diversas caras, cores, sotaques, saberes e fazeres que expressam a beleza de nossa gente. Possivelmente, somos os agentes sociais que melhor conhecem as dificuldades e as potencialidades de nosso povo e do nosso País. Esse fato, em um contexto democrático, deveria ser suficiente para que o Estado tomasse medidas imediatas e efetivas no sentido de derrubar os obstáculos que nos limitam e ampliar os espaços e canais de diálogos e de participação dos Pontos de Cultura no planejamento, na implementação e na avaliação de políticas públicas das diversas áreas.
A crise sistêmica, com a qual a humanidade se depara, revela a urgência de uma revisão civilizatória completa.  As velhas fórmulas e padrões patriarcais, coloniais e capitalistas que nos trouxeram até aqui já não servem como instrumento para ultrapassarmos essa crise. Nesse contexto, o Programa Cultura Viva pode ser considerado um campo profícuo para essas revisões e ultrapassagens. Poderia, também, ser compreendido como um complexo de ações que põe em cheque essa cultura patriarcal, capitalista e colonial. Configura-se, ainda, como uma experiência que, nas palavras de Boaventura de Sousa Santos, rompe com as epistemologias do norte e cria a possibilidade de construção de epistemologias do sul com o devido reconhecimento e afirmação da alteridade.
É nesse sentido que reafirmamos a necessidade, tanto de continuidade, ampliação e avanço do Programa Cultura Viva – ressaltando e fortalecendo seus valores e princípios fundamentais – quanto da instituição definitiva de novas formas de relação entre Estado e sociedade, libertos do paradigma paternalista e da visão impositiva que caracteriza boa parte das políticas públicas. Para tanto, é primordial uma concepção de Estado que, ao invés de impor, disponha das condições e dos meios para o pleno exercício da cidadania cultural, promovendo autonomia, protagonismo e empoderamento social.
Indo além, é necessário que o poder público, em todas as instâncias, não só busque a garantia dos direitos culturais, como se empenhe em ampliar a interlocução com os agentes que constroem e mantêm viva a cultura dessa nação.
Neste IV Fórum Nacional dos Pontos de Cultura, instância legítima de organização e formulação dos Pontos de Cultura, foram eleitas e eleitos as/os representantes responsáveis pela nova gestão da Comissão Nacional dos Pontos de Cultura, composta por 34 Grupos de Trabalho e 27 representações de todos os estados brasileiros e Distrito Federal.
Por fim, o IV FNPC, expressão máxima da integração dos saberes e fazeres dos Pontos de Cultura, reafirma suas convicções e faz públicas suas propostas prioritárias ao Ministério da Cultura e de modo mais amplo, ao Estado brasileiro:
  • Reconhecer, por meio de portaria governamental, a Comissão Nacional dos Pontos de Cultura – CNPdC como instância formal e legítima de representação dos Pontos de Cultura Brasileiros.
  • Garantir a realização, com aporte do Ministério da Cultura, o mínimo de três encontros presenciais nacionais (da CNPdC ) de funcionamento de uma plataforma virtual permanente de discussão e para a mobilização e articulação dos planos de trabalho dos GTs temáticos.
  • Assegurar a permanência dos Pontos de Cultura como política de Estado, com dotação orçamentária prevista em dispositivo legal, mecanismos públicos de controle e gestão compartilhada com a sociedade civil, tendo como ponto fundamental para a consecução desse item a aprovação da Lei Cultura Viva e a destinação de percentuais das Leis Rouanet e do Audiovisual para o Fundo Nacional de Cultura, vinculando esse recurso ao Programa Cultura Viva;
  • Garantir a existência de Pontos de Cultura em todos os municípios do Brasil e a consecução da meta de constituição de, no mínimo, 15 mil pontos de cultura até 2020;
  • Revisar a legislação que rege a relação entre Pontos de Cultura e Ministério da Cultura, desenvolvendo mecanismos administrativos e jurídicos de repasse financeiro, de acompanhamento e de prestação de contas mais simples , porém rigorosos, transparentes, funcionais e ágeis, conforme orientações da portaria 118 de 30 de dezembro de 2013;
  • Reconhecer e fomentar, política e financeiramente, experiências que se desenvolvem tendo como foco os saberes e fazeres dos mestres e griôs de tradição oral e da cultura popular, com a criação de mecanismos permanentes de apoio e incentivo às redes de transmissão oral e seus vínculos com o sistema educacional e suas práticas nos diversos grupos étnicos culturais que formam o povo brasileiro;
  • Reconhecer e fomentar, política e financeiramente, ações permanentes e estruturantes de promoção da equidade de gênero; de afirmação das diversas identidades de gênero e orientação sexual; de valorização e afirmação de todos os recortes geracionais, étnico raciais e de crença religiosa; de afirmação e criação de mecanismos que garantam a todas e todos acessibilidade à fruição e à produção de bens culturais, sempre se orientado pela perspectiva política e econômica de ultrapassagem ou minimização das desigualdades de classe;
  • Viabilizar, junto ao BNDES, um programa de fomento da desapropriação de imóveis que não cumpram a função social da propriedade, conforme previsto no Estatuto da Cidade, que também permita a construção, manutenção, adequação e reforma, garantindo o acesso às pessoas com deficiência, incapacidade temporária e/ou mobilidade reduzida e necessidades visuais, sonoras e verbais, em conformidade com a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência (ONU, 2008). Que também gere portaria indicando a concessão de uso de imóveis públicos ociosos para pontos de cultura, pontos de memória e pontos de leitura que não possuem sede própria e sejam reconhecidos pelo Programa Cultura Viva. “Proposta já encaminhada pela CNPdC à Secretaria de Cidadania e da Diversidade/SCDC/MinC, Minha Sede minha vida!”
Cordialmente,
FÓRUM NACIONAL DOS PONTOS DE CULTURA DO BRASIL
COMISSÃO NACIONAL DOS PONTOS DE CULTURA

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