sábado, 8 de novembro de 2014

Especialistas analisam promessas de Dilma Rousseff para a cultura



Pontos principais para mandato são Lei Rouanet, participação no orçamento, vale-cultura, sistema nacional e ‘pontões’
por Mariana Filgueiras
08/11/2014 6:00
Presidente Dilma Rousseff não definiu novo Ministro da Cultura - Roberto Stuckert Filho/PR / 



RIO — Ainda não se sabe quem assumirá o Ministério da Cultura no novo mandato de Dilma Rousseff — Marta Suplicy anunciou nesta semana que deixará a pasta, e as especulações sobre quem ocupará a vaga giravam em torno de quatro nomes até a tarde de ontem: Juca Ferreira (ex-ministro, atual secretário municipal de Cultura de São Paulo e coordenador da área cultural na campanha que reelegeu a petista); Angelo Oswaldo (presidente do Instituto Brasileiro de Museus e amigo de longa data da presidente); Marco Aurélio Garcia (assessor especial da Presidência); e Jandira Feghali (deputada federal reeleita e ex-presidente da Comissão Mista de Cultura do Congresso). Seja quem for, o escolhido terá uma série de promessas a honrar. Apesar de apresentar suas propostas em apenas um parágrafo no programa de governo, Dilma detalhou as ideias para a área em entrevista publicada pelo GLOBO no dia 21 de setembro.
São cinco as principais promessas: ampliar o vale-cultura; implantar o Sistema Nacional de Cultura; aumentar o orçamento e fortalecer o Fundo Nacional de Cultura; ampliar o programa Cultura Viva; e rever a Lei Rouanet. A pedido do GLOBO, dois especialistas na área, o historiador, idealizador do programa Pontos de Cultura e ex-coordenador de Cultura na campanha de Marina Silva, Célio Turino, e a assessora jurídica e consultora de projetos culturais Cristiane Olivieri, autora do “Guia brasileiro de produção cultural”, avaliaram as propostas. Para eles, o aumento do orçamento — a PEC 150 — é a causa mais urgente. E também a mais complexa, sobretudo diante de um ano que se anuncia difícil para as finanças: “É preciso um ministro forte, com vontade política, que brigue pelo aumento”, alerta Cristiane. Para que a maioria das promessas vá adiante, afinal, há que se convencer o Congresso.

1) Ampliação do vale-cultura
“O vale-cultura é um dos mais inovadores instrumentos de democratização e acesso ao consumo cultural, sendo estudado em vários países. Ele está incluindo milhares de trabalhadores no universo de livros, teatros, cinema, museus, antes restritos a poucos. O vale-cultura vem se consolidando e já aparece na pauta de reivindicação dos trabalhadores em seus dissídios, mostrando que é uma porta que se abre e deve ser alargada.”
Implantado em 2013, o benefício atende hoje 255.582 pessoas, mas tem capacidade para 42 milhões, segundo dados do Ministério da Cultura (MinC). O benefício, um cartão pré-pago, de R$ 50 por mês, pode ser usado para comprar bens culturais em geral. Para isso, a empresa deve se cadastrar no MinC, que, em contrapartida, a isenta dos encargos sobre o valor concedido, além de permitir que ela abata até 1% do imposto de renda devido. A prioridade é atender trabalhadores que ganham até cinco salários mínimos.
— A ampliação depende exclusivamente da articulação do MinC, para conseguir mais adesão de empresas. O vale-cultura não é importante só pelo acesso de pessoas a bens culturais, mas também por inverter a lógica do financiamento. Ajuda cidades menores, áreas de periferia, companhias de teatro pequenas, por exemplo, a não depender só do patrocínio — afirma o historiador Célio Turino.
Já a consultora Cristiane Olivieri acredita que as dificuldades para ampliar o benefício vão além do governo:
— Depende das empresas. O que o governo pode fazer é estimular as estatais à adesão e também o que foi feito no início da Lei Rouanet, ainda com Fernando Henrique Cardoso e o então ministro Francisco Weffort: uma campanha maciça nas empresas, convencendo-as a adotar o benefício.

2) Implantação do Sistema Nacional de Cultura
“Uma medida central será implantar o Sistema Nacional de Cultura, incorporando estados, municípios e Distrito Federal a uma estrutura de alcance universal (em que cada município e estado tenha órgãos para gerir recursos e políticas do governo federal para a cultura). Para sustentá-lo com a estabilidade necessária, é preciso elevar os valores do Fundo Nacional de Cultura para fazer dele um instrumento efetivo de financiamento da diversidade cultural.”
Uma das metas do Plano Nacional de Cultura do MinC, o Sistema Nacional de Cultura (SNC) é uma maneira de organizar a cultura da mesma forma que o Sistema Único de Saúde (SUS) estruturou a saúde. O SNC prevê que todas as esferas da federação criem órgãos gestores da cultura, como conselhos de política cultural, conferências de cultura, planos de cultura, sistemas de financiamento, sistemas de informações e indicadores culturais, programas de formação na área etc. A adesão ao Sistema Nacional de Cultura se dá voluntariamente. Os estados e municípios que concordam em integrar-se ao SNC assinam com a União o Acordo de Cooperação Federativa, que estabelece os compromissos entre as partes. Hoje, apenas seis integram o sistema: Acre, Bahia, Ceará, Paraíba, Rio Grande do Sul e Rondônia.
— O SNC depende sobretudo de mais orçamento para a Cultura — diz Turino.
Cristiane Olivieri concorda:
— É fundamental implantar o SNC, para que o produtor cultural não precise apresentar projetos separadamente em cada esfera. O principal entrave à implantação é a autonomia da decisão. Atualmente, técnicos de Brasília que não conhecem a realidade dos municípios é que decidem para onde vão os recursos. Em vez disso, é preciso deixar cada esfera decidir seus projetos prioritários.

3) Aumento do orçamento e mais força para fundo nacional de cultura
 “A PEC 150 está em debate no Congresso. O governo quer fazer crescer a fatia da Cultura e me comprometo com um crescimento escalonado. O financiamento da Cultura no Brasil vem sofrendo distorções com o aumento da renúncia fiscal via Lei Rouanet, em detrimento da ampliação do Fundo Nacional de Cultura. Nosso objetivo é fortalecer o fundo, para contemplar todas as áreas da cultura brasileira.”
No primeiro ano do governo Dilma (2011), o orçamento da Cultura foi de R$ 2,1 bilhões. No ano seguinte, chegou a R$ 3,2 bilhões. Em 2013, alcançou R$ 3,3 bilhões, recuando para R$ 3,2 bilhões neste ano. Nesse período, oscilou em torno de 0,13% do Orçamento da União (contra cerca de 0,8% nos governos Lula). A Proposta de Emenda Constitucional 150 (PEC 150) prevê elevar verbas da cultura para 2% do orçamento.
— Ele deveria ao menos voltar a 0,8%. E a meta deveria ser fechar 2016 com a PEC 150. Só assim pode-se colocar o Sistema Nacional de Cultura em funcionamento, e a Cultura no protagonismo — diz Célio Turino.
Para Cristiane Olivieri, essa deverá ser a maior dificuldade do ministério:
— O problema é o Congresso querer. Trabalhar pela aprovação da PEC 150 deveria ser o primeiro compromisso do próximo ministro. Com ela, tudo respira melhor e começa a andar. E, para fortalecer o Fundo Nacional de Cultura, é fundamental aumentar o orçamento. Para isso, é preciso ministro forte e vontade política. Um ministro que assuma a paternidade do aumento. A Cultura, tida como prima pobre, ainda não é vista como estratégica ao desenvolvimento.
Para Turino, o Fundo Nacional de Cultura (investimento direto em projetos) deveria ter, até 2016, orçamento equivalente ao da Lei Rouanet (que disponibilizou R$ 647 milhões apenas de janeiro a outubro). 

4) Ampliação do programa Cultura Viva
“Ampliar o Programa Cultura Viva (política pública que reconhece e fomenta os Pontos de Cultura, entidades sem fins lucrativos que desenvolvem ações culturais continuadas) para abrir espaço à criatividade de comunidades que não são contempladas pelo mercado e que exigem sensibilidade institucional do Estado para se expressar. É momento também de avançar em uma política para as artes, que permita atuar sobre produção, distribuição e acesso.”
O Programa Cultura Viva abrange, hoje, 4.040 pontos de cultura, sendo 172 “pontões”, além de ações culturais que os sustentam. De 2004 a 2015, o programa terá consumido R$ 769 milhões. Para Turino, não basta ampliar o programa, mas deve-se retomar sua importância.
— O programa foi esvaziado. Apenas parte dos pontos recebe recursos, que diminuíram muito. É preciso uma resolução que permita prestar contas por resultados, não por dados burocráticos. Para manter uma orquestra numa comunidade, por exemplo, em vez de checar produção, apresentações etc., o ponto de cultura tem que provar como pagou tal e tal tarifa bancária. Isso paralisou a transferência de verbas. Outra sugestão seria rever recursos. O repasse aos pontos segue congelado desde 2004 em R$ 60 mil/ano, quando seriam necessários ao menos R$ 120 mil/ano. Duas dezenas de países estão implantando programas semelhantes. E onde foi criado ele está definhando.
Para Cristiane Olivieri, as promessas estão focadas em questões financeiras, quando melhorias estruturais seriam mais facilmente cumpridas:
— Política não é só dinheiro. Firmar parcerias com estados e municípios ou universidades pode ser mais proveitoso. Não custa fazer um levantamento de espaços ociosos em universidades, criar uma agenda unificada e otimizá-los. É preciso ter pensamento menos financeiro.

5) Reforma da Lei Rouanet
“A Lei Rouanet foi criada com base em um tripé: mecenato (por meio de renúncia fiscal), Fundo Nacional de Cultura e fundos de investimento. Ao longo dos anos houve uma excessiva ênfase no mecenato em detrimento dos demais mecanismos. Será necessário recuperar o equilíbrio no financiamento à cultura, fortalecendo o FNC com mais recursos e mecanismos de fomento. Qualquer novo modelo deve garantir que os processos tramitem de forma eficiente.”
Em abril deste ano, a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados aprovou a proposta que reformula a Lei Rouanet (8.313/91). Entre as mudanças previstas, o texto cria o Programa Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura (Procultura), que moderniza e aumenta a distribuição dos recursos de incentivo ao setor; e aumenta os limites de dedução do Imposto de Renda para as doações feitas a projetos nessa área. Assim, pessoas físicas e jurídicas, em tese, terão mais interesse em investir em projetos culturais, já que os descontos nos impostos chegam a 8%.
Outra diferença em relação à atual Lei Rouanet diz respeito à concentração de recursos no eixo Rio-São Paulo. O novo texto inclui mecanismos para descentralizar a destinação das verbas do Fundo Nacional de Cultura. Cada região brasileira deverá receber, no mínimo, 10% dos recursos do fundo, o que fortalece o Norte e o Nordeste. O próximo passo é a votação da proposta no Senado.
Os especialistas ouvidos pelo GLOBO concordam que a nova versão é melhor.
— A lei está bem melhor, mas a reforma esbarra no mesmo problema do aumento do orçamento: a aprovação do Congresso — resigna-se Cristiane.


Confira também:
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Veja a integra da entrevista de Juca Ferreira para a Folha

Veja a integra da entrevista de Juca Ferreira para a Folha
A Folha de S. Paulo publicou hoje uma reportagem opondo os projetos de cultura de Dilma e Aécio. Para realizá-la, o repórter enviou um conjunto de perguntas ao coordenador do programa de governo de Dilma, Juca Ferreira. Para entender melhor o que a nossa presidente propõe no segundo mandato, publicamos aqui a integra da entrevista de Juca.
1) Quem deve ser o próximo ministro da Cultura num eventual segundo mandato de Dilma Rousseff? Que credenciais deve ter essa pessoa? Sua escolha para coordenar essa área da campanha sinaliza um convite para voltar ao ministério num segundo mandato da candidata?
Essa é uma escolha exclusiva da presidenta. Ao me convocar a presidenta queria alguém que pudesse ajudá-la, em sua campanha, a pensar um programa cultural e a mobilizar o campo artístico. É isso que estou fazendo, rodando o país e trabalhando fortemente nas redes sociais. Jamais falamos sobre uma volta ao ministério e minha participação em sua campanha se dá pela absoluta certeza de que Dilma representa o melhor projeto para o Brasil.
2) Quais seriam prioridades do Ministério da Cultura nesse possível segundo mandato?
Uma delas é o aumento dos recursos para a cultura. A presidenta Dilma já sinalizou que os rendimentos do Fundo Setorial do Pré-Sal trarão um grande incremento nos recursos destinados aos fazedores de cultura e à garantia dos direitos culturais em nosso país. Temos ainda um enorme desafio de ampliar fortemente o acesso à cultura. Essa é uma das prioridades da presidenta. E parte desse dinheiro do pré-sal será usado para acelerar o processo de inclusão cultural do povo brasileiro. Ainda nessa questão do financiamento, precisamos realizar reformas estruturais dentro do próprio setor, pois mais dinheiro não significa necessariamente mais distribuição de renda. Isso passa por assumir o compromisso com a aprovação da PEC-150, que estabelece metas orçamentárias para a área cultural nas três esferas de governo; com a reforma da lei de incentivo à cultura (o PROCULTURA), definindo uma outra relação entre investimentos público e privados na área cultural; e a reforma da lei de direitos autorais, que hoje exclui grande parte dos fazedores de cultura e não incorpora os direitos dos cidadãos na era digital. Recentemente também foram aprovadas duas leis que serão fundamentais para o fortalecimento da política de diversidade cultural, baseada nos Pontos de Cultura, política essa que começou com Gil durante o governo Lula: a Lei Cultura Viva, que torna o programa de mesmo nome uma política de Estado, e o novo marco legal das organizações da sociedade civil. Com essas duas leis, os Pontos de Cultura voltarão a florescer em nosso país. É preciso lembrar também que em 2010, no último ano do presidente Lula, foi aprovado o Plano Nacional de Cultura. Nos dois primeiros anos do governo da presidenta Dilma foram definidas metas para a consecução desse plano. Aprofundar o processo de mudança da sociedade brasileira por meio da cultura é a principal prioridade do segundo governo da presidenta Dilma. Essa é verdadeira mudança. Não a dos tucanos, que é apenas mudar para pior.
3) Que programa ou política cultural o sr. acha que não está contemplado no atual governo e que deve ser modificado em uma eventual segunda gestão?
Queremos desenvolver uma inventiva política cultural para o século 21. O PSDB, partido do senador Aécio Neves, lutou fortemente contra o Marco Civil da Internet e foi responsável pela proposta do AI-5 Digital, que levou o presidente Lula a encomendar uma lei de direitos e não de criminalização dos internautas. A presidenta Dilma já prometeu que seu próximo governo irá trabalhar com toda força para universalizar a infraestrutura de banda larga em todo o país. E vamos precisar estimular e fomentar a produção cultural em rede e digital, o que poderemos começar a fazer com a regulamentação do Marco Civil tendo compromisso com a neutralidade de rede e com o desenvolvimento criativo de tecnologias livres. Votar em Aécio significa entregar na mão dos censores a regulamentação do Marco Civil. Seria uma catástrofe. Portanto, no segundo mandato da presidenta Dilma, essa agenda digital ganhará ainda maior impulso. Precisamos facilitar o desenvolvimento de inovação cidadã e também do empreendedorismo de pequeno e médio porte que caracteriza o ambiente virtual. Com a universalização da banda larga (infraestrutura), a regulamentação progressista do marco civil, podemos constituir um ambiente virtuoso para o crescimento da economia brasileira nos próximos anos. Na outra ponta dessa invetiva política cultural, estão os povos tradicionais e os povos indígenas. Dilma irá realizar em seu segundo mandato uma política de cultura que tenha profundo compromisso com os indígenas, os quilombolas, os ribeirinhos, os povos de terreiro, enfim, toda a diversidade cultural de nosso país.
4) Como o sr. avalia o orçamento atual do Ministério da Cultura e qual percentual do orçamento da União deveria ser destinado à pasta? Sabemos que o orçamento do ministério diminuiu no governo Dilma Rousseff. É uma meta aumentar esse orçamento numa eventual segunda gestão?
Acho que essa pergunta já está respondida quando tratei das prioridades do próximo governo da presidenta Dilma. Sem dúvida aumentar os recursos é uma meta e já temos a fonte de receita para isso, que é parte dos rendimentos do Fundo Setorial do Pré-Sal.
5) Quais são as propostas de um novo governo Dilma Rousseff em relação à lei de direitos autorais do país? O que deve ser modificado, especificamente?
Sobretudo é preciso retomar o debate sobre esse tema. Nós passamos, ainda na nossa gestão, durante o governo Lula, cinco anos debatendo uma lei que foi considerada internacionalmente uma das mais avançadas do mundo por ampliar o direito de autor incorporando autores não reconhecidos na atual lei e possibilitar a realização dos direitos no novo ambiente criado pela digitalização, pela internet, e equilibrar essa dimensão com o direito de acesso e os novos direitos do público. Desde 2003, quando cheguei com Gil no Ministério, a grita dos autores contra a lei era muito forte, porque a atual lei é excludente. Nós trabalhamos muito, elaboramos uma lei avançada, mas fomos combatidos de forma vil por parte daqueles que acham que privilégio é direito. Esse grupo, hoje, inclusive, apoia o candidato do PSDB. Então, o principal movimento agora, nos próximos anos, deve ser recuperar o debate interrompido a partir de onde parou e fazê-lo avançar. Não será fácil, considerando a composição do novo congresso.
6) O sr. é a favorável à modificação dos artigos 20 e 21 do Código Civil, que atualmente possibilitam o veto a biografias que não tenham sido autorizadas por biografados ou herdeiros? Como deve ser a nova redação?
Em princípio biografia não deve necessitar de permissão. Caso o autor escreva calúnias sobre o biografado, a legislação atual permite que aquele que foi lesado possa pedir reparação. A mudança do código civil, mesmo que não seja essa a intenção dos que a defendem, que querem garantir seu direito à privacidade, pode resultar em uma forma de censura. Agora, esse é um tema de responsabilidade do Congresso Nacional, não do poder executivo, e ele já está em discussão envolvendo as forças da sociedade brasileira.
7) O Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição) deve ser fiscalizado pelo Estado? O sr. é favorável à criação de alguma instituição para cumprir esse papel?
Collor acabou com o Conselho Nacional de Direito Autoral. Acabou com o Ministério da Cultura, e aprovou a atual lei de incentivo à cultura. Inaugurou o neoliberalismo nas políticas culturais. Esse legado ainda não foi totalmente superado, embora já tenhamos um outro país depois dos 12 anos de governo do PT. Acredito, como a lei que está em debate no Congresso prevê, que é preciso que o Estado aja para regulamentar o sistema de arrecadação de direitos autorais no nosso país. É preciso garantir a concorrência, é preciso permitir que todos ganhem, e é preciso equilibrar isso com o direito de acesso. Isso só é possível de ser feito se tivermos gente qualificada e uma instituição sólida dentro do governo manejando as informações e acompanhando as transformações na conjuntura desse campo, que atualmente é muito volátil, dado o impacto que as novas tecnologias têm sobre ele. Hoje, nosso sistema de arrecadação não toca nem em um fio de cabelo da enorme economia digital, e isso é um erro. Não acho que o papel de uma instituição seja o específico de fiscalizar o ECAD. Para isso já temos instituições no país, inclusive a justiça. Precisamos sim de uma instituição pública que lide com a importante temática dos direitos autorais. O ECAD é só uma parte da questão. E graças à mobilização dos próprios artistas hoje já tem um papel muito inferior ao que teve no passado.
8) A Lei Rouanet precisa ser reformulada? O sr. é favorável à renúncia fiscal de 100%?
Sem dúvida precisa de reformulação. A Lei Rouanet produz distorções e resulta em uma hipocrisia contábil. Como nos disse uma certa ocasião Bresser Pereira, não se pode ter investimento público com exclusiva decisão privada. Isso só existe aqui no Brasil. Já há um projeto em tramitação na Câmara, o Procultura, que prevê novas faixas de insenção e a presidenta Dilma é totalmente favorável à revisão do sistema de financiamento à cultura no país. O PT também. Agora há algumas questões para avançar mais. Como a segunda parte de sua pergunta parece-me querer obter minha posição pessoal, eu lhe ofereço: sou a favor das parcerias público-privadas mas sou contra os 100% de renuncia fiscal, e todos conhecem a minha posição. No final da minha gestão, chegamos a costurar um acordo com todos os principais institutos que utilizam a Lei Rouanet em torno do fim dos 100%. Sei que a atual proposta prevê, ainda que com maiores restrições, a possibilidade dos 100%. Isso se trata de algo que o próximo ministro, em contato e diálogo direto com as forças da sociedade, terá de definir.
9) O sr. é favorável à lei que obriga os canais a exibir 3h30 de conteúdo nacional por semana? A lei deve ser ampliada, contemplando outras mídias ou ampliando o tempo exigido?
Essa é uma das grandes realizações dos governos de Lula e Dilma. A Lei 12.485 já aqueceu e vai aquecer ainda mais o mercado de produção audiovisual no país, e também já está ampliando a oferta de conteúdos nacionais nas nossas emissoras. Isso somado com o aumento da cobertura dos serviços de TV paga ajuda a mudar por dentro o ambiente cultural do país. Nós trabalhamos, ainda durante o governo Lula, na elaboração dessa lei. Ela foi aprovada durante o primeiro governo da presidenta Dilma e irá render muitos bons frutos em seu próximo mandato.
10) Qual deve ser o papel da Ancine no fomento da produção de cinema nacional: o órgão deve investir em produções autorais ou em filmes comerciais, que dão retorno financeiro?
Essa é uma falsa dicotomia. O cinema é uma linguagem artística e uma indústria. Pode ser elaborado artesanalmente ou por meio de grandes estruturas de produção. A Ancine tem sido bem administrada e bem sucedida em seu papel de fomentar tanto o cinema comercial como as produções autorais no país. O recentemente anunciado programa Brasil de Todas as Telas, com inúmeros recursos previstos do Fundo Setorial do Audiovisual, irá dinamizar ainda mais essas duas dimensões da produção cinematográfica. Acho que o caminho nesse campo está mais que certo. Não à toa, a presidenta Dilma é quase uma unanimidade entre os cineastas, que têm lançado manifestos abrangentes, os quais contam com assinaturas tanto dos jovens quanto dos consagrados, dos adeptos do cinema de arte e do cinema comercial. O cinema brasileiro majoritariamente apoia o que foi feito nos últimos anos. Além disso, o Brasil de Todas as Telas irá acelerar ainda mais o investimento na ampliação do público do cinema nacional, com estímulos a construção e qualificação de salas de cinema em todo o território. Essa é uma dimensão fundamental, voltada a garantir o direito de acesso em nosso país.
11) O que será feito para resolver a crise na Fundação Biblioteca Nacional?
A política de Livro e Leitura precisa ser uma prioridade da próxima gestão. E será. A presidenta Dilma é uma leitora e entusiasta da possibilidade de termos uma forte política para esse setor. Isso, no entanto, depende de uma maior aproximação também entre Ministério da Educação e Ministério da Cultura, o que também é uma prioridade para o próximo governo. Ademais, em específico sobre o caso da Fundação Biblioteca Nacional, temos o desafio de fortalecer e gerar novos modelos de gestão para as instituições culturais brasileiras. A maioria delas, e isso ocorre também nos municípios e nos Estados, precisa de novas soluções e de outros formatos institucionais. Não se trata de uma crise específica, mas sim de um problema que precisa ser pensado em sua integralidade. Situações críticas já acometeram a Bienal de São Paulo, o MASP, o MAM do Rio, entre tantas instituições que são patrimônios de nossa cultura. Precisamos dar atenção para isso. O Procultura e um novo modelo de financiamento à cultura também podem ajudar nessa questão.
12) Funcionários do Ministério da Cultura fizeram uma greve de mais de um mês em junho deste ano, exigindo equiparação salarial entre os funcionários das autarquias da pasta. Nos últimos anos, o MinC teve taxa de evasão de 53% de novos concursados, sem reposição. Quais são suas propostas para reter os funcionários na pasta ou repor os servidores que deixaram o MinC?
Uma questão é certa, precisamos de mais e melhor Estado. Foi esse o recado que o povo nas ruas nos deu em junho, um recado para todos que trabalhamos com a administração pública. As reivindicações dos funcionários são legítimas e precisam ser ouvidas. Mas esse é um tema que dentro da administração é de responsabilidade dos órgãos de planejamento e de administração financeira. Ainda assim, não se irá realizar uma melhoria na qualidade dos serviços públicos sem valorização dos trabalhadores do setor público. E a presidenta Dilma está comprometida com isso, tanto que tem apoio das principais centrais sindicais e dos sindicatos que representam os trabalhadores. Agora, que fique registrado: é difícil ver a forma como o tucanato e seus aliados têm tratado o funcionalismo em seus governos. É terra arrasada. Em São Paulo, encontramos esse mesmo problema. O prefeito Fernando Haddad já conseguiu conceder reajustes depois de 10 anos para os funcionários com ensino fundamental e ensino médio. Ainda falta fazer o mesmo com os de nível universitário.
13) O sr. apoia o programa Vale-Cultura? Haverá ampliação do valor investido no programa? Sem incentivo fiscal, pequenas empresas desistiram de aderir ao programa. Deve haver alguma mudança estratégica?
O Vale Cultura nasceu quando eu era Ministro da Cultura, durante o governo Lula. Sou entusiasta dessa proposta. Como nós vamos desenvolver o teatro e a dança no país? Formando mais público. Como fortalecer ainda mais o cinema? Com mais plateia. Como ampliar a circulação dos museus? Também com mais público. E o mesmo valerá para todas as outras linguagens. O Vale Cultura opera na camada do acesso, que é um dos nossos grandes desafios no país. Basta verificar os números do consumo e da fruição cultural para vermos o enorme desafio e também a enorme oportunidade que temos adiante. O programa, neste momento, está começando a ser posto em prática. Ele, sem dúvida, precisará sempre de aperfeiçoamentos, mas a etapa agora é de maximizar a adoção do Vale Cultura e estimular que mais e mais estabelecimentos tenham condições de recebê-lo.
14) O sr. é favorável aos editais direcionados a criadores e produtores afrodescendentes?
Totalmente. As políticas de cotas e outras políticas que buscam reparar a absurda exclusão dos negros em nosso país são essenciais para o fortalecimento da nossa democracia. Esse mesmo raciocínio se estende às políticas segmentadas para os grupos LGBT, para as mulheres, para os povos indígenas, para os povos tradicionais. A democracia brasileira só tem a avançar com esse tipo de política pública, que trata as diferenças como diferenças, o que resulta ao fim em aumento da igualdade.
15) Que livros o sr. está lendo atualmente? Quais são os autores, músicos, filmes, peças e artistas de que mais gosta?
Estou lendo O Homem que amava os Cachorros, de Leonardo Padura, um romance circunstanciado pelo assassinato de Trotsky. Gira em torno do assassino do ex-dirigente soviético. Sobre os meus gostos e artistas prediletos, são muitos, mas atualmente estou ouvindo bastante o saxofonista norueguês Jan Garbarek, que já tocou com Egberto Gismonti, Gilberto Gil, sempre, Lenine, Emicida. Nesse meu ano e meio de São Paulo, tenho frequentado o Theatro Municipal, e saio entusiasmado com as óperas, cuja direção artística é de John Neschling. Também os balés e concertos. Fui à Cooperifa, ao sarau, do Sérgio Vaz, e achei uma das coisas mais fortes que temos na cultura de São Paulo hoje em dia. No cinema, gostei demais de O Som ao Redor, de Kleber Mendonça Filho, e por força de Rafa, meu filho de três anos, ouço Palavra Cantada o dia todo. A campanha tem me tomado muito tempo, mas me comprometi em assistir à peça de Marieta Severo, Incêndios, que está em São Paulo

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